Em que momento da tua vida você esbarrou no machismo?

Senta que lá vem TEXTÃAAO!

Eu me sinto incrivelmente identificada com as mulheres que usam as redes sociais para relatar e/ou denunciar situações de violência.
Comigo não foi assim, mas uma coisa posso dizer, me sinto inclusive encorajada a contar a minha história. Afinal, cada mulher fala de um lugar nessa sociedade de privilégios e eu entendo bem meu local de fala, respeito muito as vivências alheias e as interseccionalidades, ou como diz o ditado "Cada qual no seu canto sofre seu tanto".
Pois bem, desde cedo aprendi que precisava me defender do machismo. Uma vez que, todo mundo aqui sabe, na família tradicional brasileira a violência contra a mulher é prática corriqueira que se sustenta na expressão "em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher". No fundo, no fundo, todos/as nós sabemos como funciona pois vivenciamos em curta ou longa escala na vida, tenha sido com um avô, pai, tio, irmão, namorado, marido, até mesmos nos assédios de rua...em cada confusão sem motivo, grito, xingamento, ciúmes possessivo, puxão de cabelo, arremesso de objetos, destruição de roupas e objetos pessoais...
E eu, por mais que me sentisse atingida indiretamente, foi uma forma direta e velada que a cada dia se acentuava em gritos, tentativas de silenciamento, violência física e psicológica, que me causava raiva, muita raiva, hoje canalizada em minha militância, mas uma raiva como a de muitas: legítima.
Lutei bravamente para tirar a minha família desse ciclo, luto contra seus ranços ainda hoje. E mesmo com raiva, acredito na educação, pois foi por meio dela a minha libertação. Libertação que só pode ser alcançada quando se rompe com ciclo e não há como fazê-lo sem expor o que as aparências escondem, sem que venha o caos, a exposição, a dor e a vergonha. Sem que do caos surja uma nova ordem.
E hoje, quando me lembro de cada grito de namorado, de cada segurada forte ou puxão no meu braço, ou como da última agressão que levei um murro na cara e ainda hoje ouço de pessoas que eu preciso perdoar este agressor porque é uma pessoa de bem que estava fora de si, eu penso em como o machismo nos condiciona tão descaradamente de vítimas a culpadas...E ainda assim, eu penso nos privilégios que tive na vida e que me colocam em meu lugar de fala: pele clara, mesmo sendo pobre, não oriunda de periferia, de ter tido acesso ao ensino superior...Tudo isso, recortes que precisam ser feitos para que eu entenda o meu lugar de fala e não compare as realidades como se fossem homogêneas. Não, eu não tive sorte, não se trata de sorte. A questão é que vivemos numa sociedade de privilégios! Mulheres negras de periferia e com pouco ou nenhum acesso à educação sofrem muito mais, tem menos valor nessa sociedade que a cada dia absorve mais e mais fascismo. O racismo, as desigualdades de classe e tanta coisa nos afastam e segregam...Mas uma coisa nos une, a opressão machistas!
Perdi a conta das vezes que me sentia culpada por ter nascido mulher. Foram tantas as vezes que eu questionava Deus/a o fato de eu não ter nascido homem pra ajudar a minha mãe, em todas as vezes que fui humilhada e agredida por ser considerada mais fraca e vulnerável, em cada vez que tomei a frente até mesmo de mulheres desconhecidas em sua defesa num momento de violência no meio da rua. Até encontrar aos poucos o feminismo, adquirir consciência de classe e rumar às desconstruções que perduram ainda hoje. Me fazendo mulher a cada dia, mas não essa mulher que querem que eu seja, que se cale, que perdoa, que não relate, que não exponha, que silencie. Precisamos vociferar, relatar as nossas histórias, colocar pra fora as nossas verdades. Quantas de nós se identificam com situações de abuso sexual, estupro, violência doméstica física e psicológica, assédio, tudo isso ferramentas cruéis de tortura da misoginia e do machismo institucionalizado? Mesmo assim, ainda vendo mulheres dizer que a outra é safada, vagabunda, puta, mulher que não merece ser respeitada, que estava até tarde na rua, que usou roupa curta e tantas desculpas pífias e vergonhosas para justificar aquilo que é injustificável e que sabemos muitas que estão em casa, apanhando sem motivo muitas vezes. Aprendamos de uma vez que respeito não se negocia, é obrigação para com toda e qualquer mulher. Já chega de compaixão pelos agressores e ódio e culpabilização das vítimas. Vou continuar dizendo, feminismo é libertação e não oposição. E sigamos contando nossas histórias, tristes, marcantes, de luta. Mas que sejam de superação. Eu acredito nas mudanças e vivencio tudo o que o feminismo trouxe pra mim.

Ana Paula Duarte

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