Sobre amor e outras bobagens



     Cheguei a conclusão que encerro ciclos importantes na minha vida ao final de cada década...10, 20...e por aí vai. E me lembro bem das minhas dificuldades e excessos nos meus apegos. Seja para guardar o que não mais me servia por força do hábito, como tentar ressignificar pela milésima vez desenhos feitos com lápis apagado. Não dá pra ser tatuagem, não é tinta permanente.
     Uma vez escrevi que Sou um atracadouro, talvez já não concorde mais com parte do que está lá grafado, uma vez que já não me sinto um atracadouro, e sim um barco ao mar da vida, a desbravá-la. Nessa analogia de atracadouro a gente fica parada, esperando que as coisas cheguem até nós. Em minhas ansiedades sempre fui complicada quando o assunto é esperar, simplesmente não consigo e então sempre tomo a iniciativa nas atitudes, tudo o que me faça adiar a espera e adiantar as coisas.
     Nessas navegações de quase três décadas já vivenciei muita coisa bacana e também muita coisa triste. Tudo isso me ajudou a construir a minha caminhada, minhas preferências e escolhas. Em 2015 fechei mais um ciclo. Um ciclo importante, pois de tão intenso, desejado e viciante, entre idas e vindas ao meu atracadouro lá se foram dez anos. E agora, ando tão preocupada com o tempo...A verdade é que não quero acreditar que perdi tanto da minha vida pra não realizar uma idealização da minha cabeça, problemas de ego de toda geminiana com lua em sagitário (agora até astrologia me interessa sim). Mas me recuso a ser essa pessoa que, amargurada, acha que só perdeu tempo numa ilusão e se envergonha de ter devotado tanta vontade em fazer uma relação dar certo. Planejar sonhos diários de uma vida nunca pode envergonhar ninguém, mesmo que sejam romantizados. Acho até que hoje em dia é um ato de coragem, ainda que bobo. Somos todos/as bobos/as em tantas situações, mesmo.
     Mas eu quero falar do amor que deixou de ser, a partir do momento que já não era alimentado. Pois sim! O amor não começa num passe de mágica e nem acaba sem nenhum desgaste ou arranhão. Dos relacionamentos que tive, fui adquirindo cicatrizes, algumas muito pequenas, quase invisíveis, outras maiores, oriundas de feridas dolorosas, mas que acabaram, senão não seriam cicatrizes. Não as ostento, mas sempre as tenho em vista, para não esquecê-las, para que continuem me ensinando. Que me ensinem, sobretudo, a nunca me acovardar. E me encorajem a continuar me permitindo, não mais o apego, a permissividade, mas a entrega, sim! Há diferenças semânticas nessas palavras...dentre as quais quero destacar que a entrega é ímpeto, é mergulho, mas diferente do apego, em que se mergulha, se navega, se movimenta. O apego é estanque, é parasita. A entrega é coragem, emoção, nem sempre pressupõe doação, nem possui precaução.
      E falando da precaução, nunca fui muito simpática a mesma. E a cada dia que passa fico menos simpática. Sinto que a medida que vamos envelhecendo nos enchemos de da mesma em nossa vida. E nessa mania de precauções e estímulos, ao fim dos sentimentalismos e ascensão da racionalidade em níveis nunca antes existentes, só simbolizam a liquidez e o individualismo da Pós Modernidade, na qual as pessoas por medo de serem sozinhas se unem às outras, porém continuam na solitude, em sua total incapacidade de entrega, evitando assim o sofrimento. Acho que estamos esquecendo que o sofrimento é um dos combustíveis desta máquina chamada ser humano.
       Tenho me sentido cada vez mais corajosa. Já sou exposta, decidi me expor ainda mais, mostrar a minha existência para mim mesma e para o mundo. E por isso é que ando cada vez mais com preguiça de ter que me relacionar com pessoas covardes. Talvez elas estejam ainda na fase de se sentirem atracadouros, que sempre esperam as iniciativas e a força da maré de outrem. Ou talvez eu esteja apenas juntando despojos e buscando explicações. 
       O fato é que das dores e delícias de nossas vivências, essas que não devem nos fazer mais velhas e amargas, e sim mais fortes e seguras de quem somos, que nos ensinam a aprender também com os outros e não achar que a frase "nenhuma dor dura para sempre" é só um clichê, mas trazer a existência a sua mensagem e entender que fantasiar na primeira desilusão, calar diante de um grito, ou não exigir uma definição num momento crucial é negar ao outro a sua responsabilidade de alimentar aquela relação, a garantia da tão desejada reciprocidade, que talvez nunca chegue, pois não nos cansamos nas expectativas que vão nos traindo a cada dia, a cada ano, a cada vez que não vimos o esforço da outra parte, mas acreditamos na mais idiota e esfarrapada desculpa, muitas vezes mais por ego nosso do que por amor ao outro.
       E qual a parte boa no fim dos ciclos? Os aprendizados proporcionados, lógico! Só essa reflexão toda já valeu os anos, ainda que as grandes expectativas "para o resto de nossas vidas" não tenham se concretizado, lembrarei que não sou mais atracadouro, mas comando o barco da minha vida. Bom mesmo é aproveitar essas lições. Essas dores e delícias supracitadas, as solidões e solitudes que nos forjam e nos preparam para novas entregas e novos mergulhos. E quando chegar a hora da entrega, do mergulho novo eu possa me despir do que era, ir nua, sim, sem os vícios, as manias e defeitos que desgastaram a antiga relação. Caso contrário, corro o risco de vestir as velhas e surradas roupas, acabar apertada e sufocada em algo que já não me cabe.
        Ou, como estou rememorando textos passados, acabar como a crônica do Homem e o Cadáver, que até esqueceu seu maior sonho pelo hábito doentio de seguir um ciclo, rodando em círculos sem a coragem para seguir em frente. Na vida acabamos por colecionar muitas frustrações, muitas coisas que sonhamos não acontecem. Ma como nos posicionamos diante dessa frustração decidirá o rumo que daremos e a capacidade humana de produzir sonhos, de sempre buscar...E até mesmo de acreditar que aquilo que já não é não significa que nunca foi. Só não precisa permanecer eternamente pra provar que foi de verdade.
    E como diz o poeta do cotidiano e músico baiano Pedro Pondé "Entenda uma coisa. Você nunca vai encontrar o que procura. Você não foi feito pra encontrar. Nasceu pra gostar de procurar."

Passei muito tempo me comportando como Alice, quando na verdade eu sou Aníssima.

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