A celeuma machismo x feminismo

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Durante os últimos meses uma série de textos sobre Feminismo circulara pelas redes sociais. Acho isso algo positivo, ao menos, o feminismo está sendo discutido. Mas, a minha preocupação é a forma como tem sido discutido, de modo tendencioso, generalista e apresentando uma série de contradições.
Gostaria de me ater aqui a dois textos em específico. Desde já, deixo claro que minha intenção não é escrever outra resposta a um ou ao outro, mas analisar o discurso de cada um. Vamos por partes. O primeiro a ser publicado foi o artigo de Ruth Manus e intitulado de A incrível geração de mulheres que foi criada para ser tudo o que um homem NÃO quer.
O texto traz sob a óptica feminina uma análise da nova geração de mulheres, educadas para ocupar o mercado de trabalho, segundo uma necessidade do capitalismo. Tal necessidade fez com que as mulheres avançassem, sendo inseridas em diversos espaços econômicos e consequentemente políticos e sociais. O texto traz a imagem da mulher pós-moderna: forte, empoderada financeiramente, rompendo padrões sociais, porém, de certa forma competindo com o homem, visto que este não foi preparado para receber essa nova geração. Acostumados e educados para o modo de vida doméstico e subserviente da mulher, que foi condicionado e repassado nas gerações anteriores através do patriarcado, a autora afirma que os homens temem as mulheres assim e não sabem lidar com elas.
Essa afirmação vem com exemplos contextuais. Em nada ofende a classe masculina, não os diminui e muito menos os oprime, conforme apregoam em textos escritos como resposta e crítica do mesmo. Acredito que há uma falta de percepção aliada a nossa prática sexista e machista, em que sempre que aparece um texto feminista, a leitura não é feita no intuito da reflexão, mas da crítica ferrenha, da insinuação de ditadura feminista e outras infundadas e completamente bitoladas. E a pior delas é quando a discussão é levada para o campo das ofensas sexuais.
Outra coisa inegável do texto, é que ele é específico, mas quer ser generalista, o que o torna um tanto esquizofrênico. Deixa claro que se trata de um grupo específico de mulheres: brancas, de classe média, inseridas no mercado de trabalho, possuindo bens materiais e não problematiza os desafios e os limites que existem para a mulher na sociedade contemporânea. Deixando de fora as mulheres da periferia, negras, indígenas, o preconceito homossexual e todas as demais questões que tornam a vida das mulheres, seu papel na sociedade ainda é tão limitados e muitas vezes seguindo apenas as necessidades de mercado, ou seja, as mulheres continuam sendo o segundo sexo, frágil, submisso e dependendo dos homens, sendo violadas, abusadas e objetificadas.
Os homens (e porque não dizer que também as mulheres), apesar de existirem leis (como a Maria da Penha), a Constituição Federal e tantos outros documentos e contratos universais (como a Declaração Universal dos Direitos Humanos) em que constam que “todos são iguais perante a Lei independente de credo, raça, sexo” e etc., ainda organizam a sociedade de forma machista, pois o poder, a jurisdição nos diversos segmentos e espaços de decisão tem um perfil fixo, que se manteve entre a elite branca, masculina e heterossexual, dando continuidade aos processos excludentes e de dominação das demais classes, raça e sexo. 
Por isso é que existe o gênero, para inferir nessas questões, debater, refletir e, sobretudo transformar as relações entre homens e mulheres. Não num sentido de competição ou de dicotomia, mas de igualdade, para que ambos possam inferir na construção de uma sociedade igualitária, que respeite de fato os contratos, leis e regulamentações que propõem este ideal de equidade. E me desculpem os Humanistas, mas esse papo de “todos são humanos, todos são iguais” é muito fácil quando você não faz parte da minoria subserviente e retalhada. 
O feminismo enquanto ideologia criada para contrapor o machismo (e não o homem) surge para dar fim aos maus tratos, violências, amarras e mordaças com os quais as mulheres foram sujeitadas durante séculos (temos uma vasta literatura que comprova tudo isso), para dar vez e voz e garantir a transformação da sociedade e principalmente das mulheres. Para que essas entendam que não pertencem a ninguém, a não ser a si próprias, pois são seres humanos que diferem dos homens biologicamente e que as diferenças comportamentais e atitudinais nas quais foram educadas são construídas socialmente por quem dita as regras e contratos sociais, que ocupam e deliberam nos espaços de poder. Para incentivar o engajamento e a participação ativa das mulheres na luta por direitos iguais, por sua liberdade sexual, pelo espaço público ao invés de somente aceitar o espaço privado.
A ideia de que o feminismo tem um plano dominador de homens e do mundo é conspiratória e insana. E criada para desmoralizar, causar celeumas e dicotomias, quando sua preposição é a dialética, é a proteção das mulheres pelas mulheres, protagonistas de suas vidas, empoderadas não meramente na questão financeira, mas política, sexual e socialmente. Mas as mulheres (e também os homens) que comungam do ideal feminista (que aqui é tão sinteticamente apresentado por mim, por abarcar tantas questões e lutas por igualdade e direitos), recebem adjetivos pejorativos, tendo suas sexualidades colocadas em cheque, consideradas infelizes, mal amadas, abandonadas e solitárias, quando ousam ir além da dependência masculina e por romperem padrões que são a única visão de mundo dos que receberam a educação machista, homofóbica e sectária. Como se quem luta por seu direito se torna bandido, fere o princípio do outro, por ousar uma vida fora do quadrado que a sociedade impõe como única forma de vida digna.
E quando voltamos para análise, agora do segundo texto, podemos exemplificar essa dicotomia, esse sexismo exacerbado e cheio de estereótipos, disputas e equívocos de conceitos e ideias. A partir de seu título: A incrível geração das mulheres chatas- publicada no site da Folha Uol, por Mariliz Pereira Jorge, comunicadora que ostenta em seu currículo escrever para revistas como a Boa Forma, VIP, entre outras do mesmo caráter sexista- podemos perceber o quão tendencioso  o texto se apresenta.
Convergente como o outro texto, também escrito na primeira pessoa, Mariliz conta sua experiência de vida, enquanto mulher bem- sucedida e privilegiada. Mas, insiste em ser generalista. Dito isso, o texto de Mariliz nada mais tem haver com o primeiro, a não ser o fato de que ela, totalmente contra a ideia trazida por Rute, decidiu escrever uma resposta em defesas dos homens, feita por outra mulher, para livrar de qualquer tendência machista. 
Mas, infelizmente Mariliz, o machismo também atinge as mulheres, não é específico dos homens, apesar deles serem os únicos a se beneficiarem do mesmo. E sim, seu texto é tendencioso e ofende as militantes feministas, quando chama mulheres conscientes de chatas e cometendo uma das piores gafes: a comparação entre uma mulher e outra, com ênfase num “casamento” ou na ideia de um “companheiro”. Aliás, a ideia de relacionamento de Mariliz é muito bonita, mas vamos trazer para a realidade: é muito rara! Os números e estatísticas da violência contra a mulher estão aí para mostrar que a violência doméstica é alarmante e precisa de Políticas Públicas de proteção, sensibilização e educação. A luta de militantes de movimentos sociais e feministas para diminuir cada vez mais esses números é uma luta digna, sofrida e que não pode ser desmerecida.
A felicidade existencial dos seres humanos é uma questão tão complexa. Isso vai além de questões de gênero e etc. Então, utilizar a opção (sim, a palavra é mesmo opção, será que de tão simples, é difícil entender?) de não ter um relacionamento homo ou heterossexual não pode ser intepretada como algo que deva mensurar realização pessoal ou não. Tem gente que ter um companheiro ou uma companheira, há feministas casadas, solteiras, em relacionamento aberto. Há quem se ache superior a outra pessoa, quanto mais mulheres que se achem superiores aos homens. Mas isso não faz parte da concepção feminista.
Mas uma coisa que as feministas colocam que é bem verdade: o patamar da mulher nos séculos que antecedem este sempre foi abaixo dos homens, em situação de inferiorização. Então, para que se chegue ao ideal de equidade, é preciso por fim ao machismo, ou seja, é preciso sim que os homens estejam preparados para compartilhar direitos e parar de receber privilégios, já que ceder não é o mesmo que retroceder. Retrocesso é não se atualizar para as novas formas de vida, de organização social e cultural. Neste sentido, a educação não sexista e não discriminatória é palavra de ordem nesse desafio.
Assim sendo, creio ser de vital importância nos apropriar dos conceitos ao iniciarmos um debate em temáticas em voga. Isso evita que se caia no erro de reforçar e reproduzir conceitos de senso comum, tacanhos, retrocessos de ideais e comportamentos. É como se personificássemos uma sociedade que cresceu e está evoluindo, modificando musculatura e estrutura corporal, mas insiste em vestir o número 38 quando agora lhe cabe vestir manequim 42.

Ana Paula Duarte.

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