A hora da estrela no horário de pico
Quantos moradores em situação de rua, ou como
preferimos chamar popularmente de mendigos, passam por nós diariamente e a gente
mal se dá conta, salvaguardo o odor forte que deixam e que só assim a
gente nota e se incomoda no rastro do vento?
Alguns de nós já os enxerga
como parte da paisagem dos grandes centros urbanos, misturados ao concreto das
grandes cidades.
E quem são eles? São os que
estão a margem de nós, da sociedade...São os indigentes, são os alcóolatras,
drogados, são os sem teto, sem roupa, sem dignidade...São os sem vida existindo. E
para a grande maioria de nós eles são invisíveis, intratáveis e passam bem
longe de nossa responsabilidade.
Na maior parte do tempo não os
enxergamos como nossos semelhantes, como humanos. Os enxergamos sujos, drogados,
bêbados, violentos...Nós os tememos como se fossem bichos ameaçadores, mas, nos
pergunto: quem os criou? Qual matéria os compõe? A resposta é simples: eles são nós, são humanos.
Hoje um deles virou estrela e
estampou o jornal do meio-dia. Ameaçou precipitar-se sobre o viaduto de uma via
pública, atrapalhando o trânsito bem no horário de pico, atrasando a volta para
casa dos diversos representantes das classes sociais, dos transeuntes aos ônibus e carros
importados, chamando (a todos e todas) à atenção para seus dilemas, para sua loucura, e então, a sua invisibilidade se desfez, revelando para o mundo a sua lamúria e existência. Precisou incomodar para ser visto, precisou ameaçar para ser
acolhido e ter sua vida salva pelos Bombeiros, pois é, alguém o salvou
de sua vida miserável, indigna e ao relento, nem que seja numa situação atípica.
Estaria ele, que nem tinha
nome e trajetória, pedindo socorro? Estaria querendo fama? Queria atenção?
Queria políticas? Será que ele sabe que é gente?- Todas essas perguntas vieram
a mente enquanto eu assistia a matéria e ficava imaginando aquele andar confuso
por sobre o viaduto.
Como não lembrar de Macabéa,
aquela que só foi estrela na hora da sua morte? Que só foi vista como gente na hora de sua
morte e que só foi feliz minutos antes de sua morte inebriada por uma louca ilusão? Quantas Macabéas e Macabeus
existem por aí...Passando por nós diariamente, muitos deles tem casa, carro e
status...Muitos deles são moradores de rua dentro de si e nas suas mentes
lunáticas, invisíveis de família, amigos, de gente!
O ser humano é um ser social.
Privado de viver em sociedade e não acessando seus direitos básicos constituídos ele
surta, ou, constrói um universo paralelo, onde a bebida, as drogas e demais
acessórios amortecem a vida na terra.
Sei que geralmente a história
das pessoas que vivem nas ruas é muito triste, cheia de tragédias, desistências
e abandono. Algum dia a maioria delas teve uma família, uma casa, teve
amigos...Fico me perguntando como essas pessoas reagiram ao ver o amigo/familiar se
deteriorando, deprimindo, desistindo da dignidade de viver. E quando me refiro
a dignidade de viver, eu não estou falando dos que por escolha abdicaram de
viver dentro do círculo do sistema, não, não...Estes tiveram escolha e são mui
corajosos...Me refiro mesmo a quem perdeu o direito de ser gente, os que não tiveram direito de escolha. Porque é isso
que a sociedade tira dos moradores de rua: o direito de ser gente!
Como não enlouquecer diante
disso? Como não surtar diante do frio, do abandono, da solidão...Diante do
abuso, diante da invisibilidade? A loucura é uma linha tênue dentro de
nós...Somos vulneráveis e muitas vezes, enlouquecer é uma solução para não
enfrentar racionalmente uma dor terrível.
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Ana Paula Duarte
Comentários
Uma triste realidade dos deserdados da sorte, que por todo o mundo lutam pela sobrevivência. Lindo sempre.
Um beijinho com carinho
Sonhadora